sábado, 10 de maio de 2008

Por que a possibilidade do conhecimento deve ser explicada pela contribuição da sensibilidade e do entendimento?




Para Kant o conhecimento consiste na função das estruturas a priori do sujeito cognitivo. O conhecimento humano resulta da operação combinada dos sentidos e do entendimento. Pelos sentidos, os objetos são-nos dados; pelo entendimento, tornam-se pensáveis. A estrutura dos nossos sentidos determina o conteúdo da nossa experiência; a constituição do nosso entendimento determina a sua estrutura. Para Kant, o filósofo tem de estudar quer a sensibilidade, a que chama estética transcendental, quer o entendimento, a que chama de lógica transcendental. No primeiro caso, Kant concede a faculdade da sensibilidade como algo que em si mesmo é um poder passivo para receber representação. Contudo, traça uma distinção entre a matéria e a forma da nossa experiência. A matéria é o que deriva diretamente destas sensações, a forma dada pelo nosso entendimento é o que permite ao caos do que nos aparece tomar uma ordem. No segundo caso o entendimento aparece como a parte mais criativa do espírito. É o entendimento que transforma os objetos da intuição sensível em objetos de pensamento. O entendimento e a sensibilidade são iguais e interdependentes. “Sem a sensibilidade, nenhum objecto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições são conceitos são cegas […] O entendimento nada pode intuir, e os sentidos nada podem pensar. Só pela sua reunião se obtém conhecimento” .

A ética em Kant

Kant descreveu seu sistema ético, o qual está baseado em uma crença de que a razão é a autoridade final para a moralidade. Os princípios éticos são derivados da racionalidade humana. A ética Kantiana pode ser considerada como uma ética do dever. A moral não poderia ter fundamento em observação dos costumes, ou em qualquer fórmula empírica. Não sendo conhecimento, despida, portanto, de tudo que seja empírico, "a moral é concebida como independente de todos os impulsos e tendências naturais ou sensíveis"... a moral "seria estabelecida pela razão" como reguladora da ação. Ações de qualquer tipo, ele acreditava, precisam partir de um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a lei ou costume pode ser considerada como moral. Dessa forma, Kant recusou todas as éticas anteriores, fundamentadas em normas e valores de origens diversas (as éticas heterônomas, as vindas de fora do sujeito, impostas por outras fontes que não a razão.)

Exercendo a cidadania!

Afinal, o que é ser cidadão?
Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais, fruto de um longo processo histórico que levou a sociedade ocidental a conquistar parte desses direitos.
Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentido varia no tempo e no espaço. É muito diferente ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos ou no Brasil (para não falar dos países em que a palavra é tabu), não apenas pelas regras que definem quem é ou não titular da cidadania (por direito territorial ou de sangue), mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada um dos Estados-nacionais contemporâneos. Mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a prática da cidadania vêm se alterando ao longo dos últimos duzentos ou trezentos anos. Isso ocorre tanto em relação a uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para sua população (por exemplo, pela maior ou menor incorporação dos imigrantes à cidadania), ao grau de participação política de diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto), quanto aos direitos sociais, à proteção social oferecida pelos Estados aos que dela necessitam.
A aceleração do tempo histórico nos últimos séculos e a conseqüente rapidez das mudanças faz com que aquilo que num momento podia ser considerado subversão perigosa da ordem, no seguinte seja algo corriqueiro, “natural” (de fato, não é nada natural, é perfeitamente social). Não há democracia ocidental em que a mulher não tenha, hoje, direito ao voto, mas isso já foi considerado absurdo, até muito pouco tempo atrás, mesmo em países tão desenvolvidos da Europa como a Suíça. Esse mesmo direito ao voto já esteve vinculado à propriedade de bens, à titularidade de cargos ou funções, ao fato de se pertencer ou não a determinada etnia etc. Ainda há países em que os candidatos a presidente devem pertencer a determinada religião (Carlos Menem se converteu ao catolicismo para poder governar a Argentina), outros em que nem filho de imigrante tem direito a voto e por aí afora. A idéia de que o poder público deve garantir um mínimo de renda a todos os cidadãos e o acesso a bens coletivos como saúde, educação e previdência deixa ainda muita gente arrepiada, pois se confunde facilmente o simples assistencialismo com dever do Estado.
Não se pode, portanto, imaginar uma seqüência única, determinista e necessária para a evolução da cidadania em todos os países (a grande nação alemã não instituiu o trabalho escravo, a partir de segregação racial do Estado, em pleno século XX, na Europa?). Isso não nos permite, contudo, dizer que inexiste um processo de evolução que marcha da ausência de direitos para sua ampliação, ao longo da história.
A cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culminaram na Declaração dos Direitos Humanos, dos Estados Unidos da América do Norte, e na Revolução Francesa. Esses dois eventos romperam o princípio de legitimidade que vigia até então, baseado nos deveres dos súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão. Desse momento em diante todos os tipos de luta foram travados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias. Nesse sentido pode-se afirmar que, na sua acepção mais ampla, cidadania é a expressão concreta do exercício da democracia.
Apesar da importância do tema e do significado da discussão sobre a cidadania não tínhamos, até agora, um livro importante sobre o tema, razão pela qual há cerca de dois anos começamos a organizar uma obra consistente sobre a história da cidadania. Inicialmente pensamos que a carência bibliográfica era apenas um problema brasileiro, mas aos poucos fomos percebendo que era um fenômeno mundial. Não havia, simplesmente, um grande livro sobre a história da cidadania. Quem quer que escrevesse sobre o assunto recorria ao sociólogo inglês T. H. Marshall, autor de um texto básico, mas que não tinha a pretensão de ser uma história da cidadania. De resto, achamos importante mostrar que a sociedade moderna adquiriu um grau de complexidade muito grande a ponto de a divisão clássica dos direitos do cidadão em individuais, políticos e sociais não dar conta sozinha da realidade.
Nossa proposta foi a de organizar um livro de história social, no sentido de não fazer um estudo do passado pelo passado, muito menos do passado para justificar eventuais concepções pré-determinadas sobre o mundo atual. Queríamos, isto sim, estimular a produção de textos cuidadosamente pesquisados, mas que se propusessem a dialogar com o presente. Não é por acaso que os textos dão conta de um processo, um movimento lento, não linear, mas perceptível, que parte da inexistência total de direitos para a existência de direitos cada vez mais amplos.
Sonhar com cidadania plena em uma sociedade pobre, em que o acesso aos bens e serviços é restrito, seria utópico. Contudo, os avanços da cidadania, se têm a ver com a riqueza do país e a própria divisão de riquezas, dependem também da luta e das reivindicações, da ação concreta dos indivíduos. Ao clarificar essas questões, este livro quer participar da discussão sobre políticas públicas e privadas que podem afetar cada um de nós, na qualidade de cidadãos engajados. Afinal, a vida pode ser melhorada com medidas muito simples e baratas, ao alcance até de pequenas prefeituras, como proibição de venda de bebidas alcoólicas a partir de certo horário, controle de ruídos, funcionamento de escolas como centros comunitários no final de semana, opções de lazer em bairros da periferia, estímulo às manifestações culturais das diferentes comunidades, e muitas outras. Sem que isso implique abrir mão de uma sociedade mais justa, igualitária, com menos diferenças sociais, é evidente.
História da Cidadania já surge, portanto, como obra de referência. Ao organizar a discussão sobre um assunto de que tanto se fala e tão pouco se sabe, ao estimular a produção de textos de intelectuais de alto nível, o livro dá conteúdo a um conceito esvaziado pelo uso indevido, e propicia uma reflexão sólida e conseqüente.
Fonte: JAIME PINSKY


http://www.espacoacademico.com.br/023/23res_pinsky.htm