terça-feira, 23 de junho de 2009

África hoje...

Dados "chocantes" sobre a África
Duas estatísticas negativas chamaram a atenção sobre a África na semana passada.
A primeira é nada menos do que chocante. Um estudo do Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul concluiu que 27% dos homens do país já estupraram uma mulher.
A outra é da FAO, o órgão das Nações Unidas sobre agricultura e alimentação. Diz que 1 bilhão de pessoas no mundo passa fome. Não é exclusiva sobre a África, portanto, mas foram imagens de africanos esqueléticos que rechearam as reportagens de TV sobre o estudo. Quando se fala em fome, se fala em África.
Deixemos de lado a lamentável constatação de que mais uma vez o que gera notícia na África são duas desgraças. Não há muito que fazer quanto a isso.
Chama a atenção em um caso e no outro a beleza dos números arredondados. Veja que coincidência feliz para os pesquisadores e para nós, jornalistas. 1 bilhão que passam fome é um número deliciosamente fácil de ser entendido: melhor ainda, é 1 em casa 6 habitantes do planeta. Muito mais apropriado do que falar em 875 mil, ou 1.135.000, e muito mais fácil de manchetar.
E o caso da África do Sul? 27% é um número interessante também. A BBC arredondou para baixo, dizendo que “1 em cada 4” sul-africanos já estuprou. Outros veículos arredondaram para cima, preferindo a expressão “quase um terço”.
Onde estou querendo chegar? Uma das máximas do jornalismo é que números, se bem torturados, dizem qualquer coisa. De posse de uma mesma planilha de dados, se faz “n” matérias diferentes, algumas indo em direções totalmente opostas.
A FAO e a entidade sul-africana provavelmente são entidades sérias que jamais falsificariam dados. Não duvido que tenham pesquisadores sérios e criteriosos em seus quadros. Mas também desconfio que não resistiram à tentação da manchete fácil.
Desconfie de números redondos. Numa análise superficial, é possível estabelecer fragilidades nas duas pesquisas.
A da fome no mundo é uma aproximação (admitida, aliás, pela própria organização). Outros poderiam dizer que se trata de um chute, mas não chego tão longe. É simplesmente impossível sabermos quantas pessoas passam fome no mundo, porque diferentes indivíduos numa mesma área têm acesso diferenciado à comida. Não basta pegar uma região como Darfur, ou um país como o Zimbábue e colocar sua população toda na coluna dos que passam fome. A FAO, então, trabalhou com uma faixa estatística de probabilidade e resolveu cravar o número de 1 bilhão, por uma incrível “coincidência”.
A pesquisa sul-africana, por outro lado, tem uma limitação óbvia. Foi realizada em apenas duas das nove províncias (Estados) sul-africanos, o Cabo Oriental e Kwa-Zulu Natal. Que são basicamente as duas mais violentas do país. É como fazer uma pesquisa sobre violência no Rio de Janeiro analisando apenas o Complexo do Alemão.
ONGs humanitárias e organizações internacionais prestam serviços inestimáveis na África e em outras partes do mundo subdesenvolvido, mas podem também se tornar parte do problema quando passam a depender desse problema. Tendem a exagerar dados negativos e realçar dados catastrofistas porque precisam justificar sua existência e seu trabalho.

Saiba mais: http://penaafrica.folha.blog.uol.com.br/arch2009-06-21_2009-06-27.html#2009_06-22_09_34_23-129032461-0

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