quinta-feira, 25 de junho de 2009

Perrenoud e a Solidariedade

Fundamentar a solidariedade como valor e princípio ético
Nenhum valor tem um fundamento totalmente objetivo. Não se pode "deduzir" a solidariedade da natureza, justificá-la inteiramente pela razão. O fundamento de um valor não se demonstra como um teorema de geometria.
Nem por isso os valores reduzem-se a "palpitações do coração" ou a sentimentos tão gerais quanto difusos. Eles se inserem em uma representação do mundo, em uma visão do sentido de existência, em uma filosofia, às vezes em uma religião.
Portanto, a escola pode contribuir em um duplo sentido para o desenvolvimento da solidariedade como valor:
1. Afirmando-a como tal, não abstratamente, mas através de exemplos extraídos da história humana, da atualidade, da literatura, como também através de práticas que realizam uma forma de solidariedade entre os alunos da classe, entre seus pais, entre os professores da escola ou ainda entre a escola e a comunidade próxima da qual ela faz parte.
2. Inscrevendo-a em uma cultura histórica, geográfica, jurídica, científica e literária que lhe confere sentido e fascínio.
A escola pública deve preservar ao mesmo tempo o pluralismo e o espírito crítico. Logo, ela não pode recorrer a uma teologia ou a uma filosofia particulares. O sistema educativo, em um país democrático, só pode professar o próprio ideal democrático e alguns outros valores suficientemente gerais para serem compatíveis com a diversidade das culturas, das crenças e das filosofias dos pais e dos alunos. Assim, não se pode inserir a solidariedade em um sistema de pensamento coerente, incorporá-la em um bloco no qual tudo se situaria a partir de algumas premissas.
É possível avaliar a que ponto é difícil a tarefa dos professores. O sistema educativo não pode, como uma igreja, apostar exclusivamente na prescrição, limitar-se a afirmar: "É preciso ser solidário!". Sua única saída é desenvolver a compreensão do mundo social, do meio ambiente, tentar levar alguém a se dizer "Como se pode não ser solidário quando se vê e se compreende o que se passa em nosso mundo?".
Não temos nenhuma ilusão: a adesão ao princípio de solidariedade no contexto escolar, mesmo que seja livremente consentida e decorra de uma reflexão, não garante que seja posta em prática nos contextos de ação. Cada um ficará tentado a salvaguardar antes de tudo seus interesses pessoais.
Tudo o que se pode esperar de uma firme adesão ao princípio de solidariedade, fundamentado em uma abordagem intelectual, saberes e raciocínios, é que ela seja um "contrapeso" à tentação de pensar apenas em si ou em seu grupo. Se cada um aceitasse colocar-se certas questões e considerar as implicações de seus atos para os outros e o conjunto da comunidade, certas decisões não-solidárias seriam mais difíceis de tomar. A educação pode desenvolver a lucidez e a descentração, alimentar uma forma de má consciência, fazer duvidar, fazer refletir, perturbar nossa tranqüilidade. A sensibilização para a ecologia ou o desperdício já produziram alguns efeitos nesse sentido.
Existem seres humanos cujo cinismo é a toda prova: eles podem - sabendo o que fazem, sem culpa, sem estados de alma - torturar, matar, explorar, difamar ou arruinar seus contemporâneos, poluir ou destruir a natureza, desencadear guerras ou perseguições. Para a maioria, nossos contemporâneos têm uma espécie de consciência moral, eles hesitam em agir mal com toda lucidez. Assim, em matéria de solidariedade, preferem não se colocar muitas questões, minimizar ou não precisar as conseqüências de seus atos.
Este é um dos desafios da educação escolar: reforçar a lucidez, proporcionar hábitos e ferramentas intelectuais que ajudem a compreender as implicações de nossa ação e seu significado no que se refere a grandes princípios, solidariedade, justiça, democracia, respeito às diferenças ou ao meio ambiente, por exemplo. Em síntese: pôr o dedo em nossas contradições, impedir-nos de professar grandes princípios com toda boa-fé, respeitando-os de forma flexível.
Fonte:
http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2003/2003_07.html#heading1

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