domingo, 15 de novembro de 2009

A Diversidade cultural na América Latina - parte 002

Parte 002 - capítulo 01

CONCEITUAÇÃO E DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE A CULTURA, A POLÍTICA SOCIAL E A INDÚSTRIA CULTURAL


Cultura, em todos os seus sentidos, social, intelectual ou artístico é uma metáfora derivada da palavra latina no sentido cultura, que no sentido original, significava o ato de cultivar o solo. Os sentidos conotativos de cultura não tardaram a aparecer. Cícero, por exemplo, já usava a expressão cultura anima, cultura da alma identificando-a com a filosofia ou a aprendizagem em geral “porque é muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vidas, como uma fruta é mais espessa que sua flor” (João Cabral).

Santaela (2004 p.29,30) mostra que as definições de cultura são numerosas. Há consenso sobre o fato de que a cultura é aprendida, que ela é grandemente variável e que se manifesta em instituições, padrões de pensamento e objetos materiais. Um sinônimo de cultura é tradição, o outro é civilização, mas seus usos se diferenciam ao longo da história.

Um conceito popular de cultura é o de refinamento, implicando na habilidade que alguém possui de manipular certos aspectos da nossa civilização que trazem prestigio. Para o cientista, qualquer pessoa culta só é capaz de manipular alguns fragmentos especializados de nossa cultura, compartilhando muito mais do que se pode suspeitar com um fazendeiro, um padeiro ou qualquer tipo de profissional. A mais rude economia, o rito religioso mais arrebatado, um simples canto popular são todos igualmente partes da cultura (HERSKOVITS,1952, p.17-18).

No livro Teoria Cultural de A a Z.( SEDGWICK, 2003 p.75) verificamos que o termo “cultura”não é facilmente definida, sobretudo porque pode ter diferentes significados em diferentes contextos. De qualquer forma, o conceito que está no centro dos estudos culturais, pode-se sugerir, é o conceito encontrado na antropologia cultural.

Um simples definição do termo cultura popular, como a cultura que tem apelo ou é mais compreensível pelo público em geral, pode esconder diversas complexidades e nuances de seu uso dentro dos estudos culturais.
O termo é frequentemente usado ou para identificar uma forma de cultura oposta a outra forma ou como sinônimo ou complemento dessa outra forma.. O significado preciso de “cultura popular”, portanto irá variar, por exemplo, ao relacioná-la à cultura folclórica, à cultura de massa ou à alta cultura.
A cultura popular pode referir-se tanto a artefatos individuais, como uma música popular ou um programa de televisão, e também quanto ao estilo de vida de um grupo (SEDGWICK, 2003 p.76).
Em um estudo sobre cultura Laraia (2000, p. 59-60) diz que "são sistemas (de padrões de comportamento socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos, Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas [...]Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação equivalente a seleção natural[...] O homem é um animal e, como todos ao animais deve ter uma relação adaptativa com o meio circundante para sobreviver. Embora ele consiga esta adaptação através da cultura, o processo é dirigido pelas mesmas regras de seleção natural que governam a adaptação biológica ".

No que se refere a política cultural, Stavenhagen (2003,p.31) indica que ao começar o século XXI, a temática cultural se encontra novamente em dia. Há poucos anos a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento da Unesco publicou um importante relatório, Nossa Diversidade Criativa, no qual afirmava que a cultura é a fonte de nosso progresso e criatividade, e rejeitava a visão da cultura como um elemento secundário e subsidiário ao processo de desenvolvimento econômico. A cultura não é, disse a Comissão, um meio para obter o progresso material, e sim o fim e a meta do “desenvolvimento” visto como o florescimento da existência humana.

A América Latina tem tido sua dose de debates em torno da temática cultural. Desde o século XIX as questões culturais estiveram estreitamente vinculadas à autopercepção das nações dessa região, pelo que também engendraram aguçadas polêmicas políticas. Nas discussões contemporâneas sobre a globalização não se pode esquecer que durante quase dois séculos estes temas giraram principalmente em torno de uma grande tarefa coletiva: a construção nacional, à qual alguns pensadores do século XIX chamaram de “segunda emancipação”, isto é, a do espírito e do pensamento (STAVENHAGEN, 2003 p. 32). E a principal tensão que enfrenta o nacionalismo cultural latino-americano em nossa época é a contradição entre o projeto de nação, que se tentou construir do Estado a partir do século XIX e a diversidade étnica e cultural das sociedades latino-americanas compostas por povos variados que não acabaram de fundir-se ao conjunto nacional de”pensadores” do século XIX exaltavam como meta histórica.

As origens e causas desta contradição são bem conhecidas e têm sido amplamente elucidadas nas investigações históricas e sociais. (STAVENHAGEN, 2003 p.36). O educador Hopenhayn, (2003, p. 313)defende a educação dizendo que "A educação foi considerada por muito tempo o elo privilegiado para articular integração cultural, mobilidade social e desenvolvimento produtivo. Uma sociedade com altos níveis de escolaridade e bons resultados educativos tende a ser mais igualitária em sua estrutura de salários (mediante os retornos profissionais para a educação), a contar com maior coesão cultural e mercados culturais mais diversificados e a crescer economicamente baseada em saltos de produtividade e não na excessiva exploração de recursos humanos ou naturais. "

O autor mostra que não possuir ou não ter acesso à educação fica recluso no analfabetismo cibernético e restrito às ocupações de baixa produtividade e baixos salários, privado do diálogo a distância e de grande parte do intercâmbio cultural.
Quando temos por base o desenvolvimento cultural de alguns países, Buenos Aires que é a cidade de maior importância cultural da Argentina e uma das principais na América Latina, há muitas características em comum com a cultura das cidades do Rio da Prata. A cidade tem um espectro cultural muito amplo devido a diversidade de quem a habitou ao longo de sua história.

O desenvolvimento cultural se aprecia na grande quantidade de museus, teatros e bibliotecas que se pode encontrar na cidade. O Governo da cidade administra dez museus que abarcam diferentes temáticas: desde as artes plásticas (Museu de Artes Plásticas Eduardo Sívori) até a história (Museu Histórico de Buenos Aires Cornelio de Saavedra), passando pelo cinema (Museu do Cinema Pablo Ducrós Hicken). Também existem muitos museus dependentes do governo Nacional (como o Museu da Casa Rosada) ou de fundações (como o Museu de Arte latino-Americano de Buenos Aires). Da cidade dependem 26 bibliotecas públicas que contam com 317.583 exemplares. Além disso existem muitas bibliotecas dos diferentes Poderes da Nação, assim como das diferentes universidades que se encontra na capital.

É sabido que se as comunidades educacionais e governamentais incentivarem a cultura e aproveitarem a diversidade cultural de seu país. Em uma perspectiva política, a centralização progressiva do conhecimento e a educação para o desenvolvimento incidem significativamente na dinâmica de uma ordem democrática, na qual a economia e a institucionalidade política se relacionam, cada vez mais, com o uso ampliado do conhecimento, da informação e da comunicação. (HOPENHYN, 2003,p.317).

A diversidade cultural - como um direito fundamental da humanidade – se choca frontalmente com as políticas liberais predominantes no mundo – em particular no chamado “livre comércio”- que promove, em uma de tantas conseqüências negativas, a homogeneização cultural - fenômeno hegemônico no mundo atual.

A iniciativa da Unesco de elaborar uma convenção internacional de caráter normativo e vinculante – Convenção sobre a Proteção da Diversidade dos Conteúdos Culturais e as Expressões Artísticas - que brinde respostas às ameaças concretas à diversidade cultural em tempos de globalização liberal, defendendo o direito das nações e dos povos a proteger e estimular sua criação cultural, é objeto das grandes discussões entre diversidade ou homegenização cultural.

O primeiro esboço da Convenção se inspira na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, aprovada pelos governos membros da Unesco em novembro de 2001, que “reafirma a convicção de que o diálogo inter cultural é a melhor garantia da paz” (http://www.saogabriel.pucminas.br/csociais/diversidadecultural/textos/emir_sader.pdf, acesso em 05 nov. 2007), rejeitando as teses do choque de civilizações. Ambos documentos reconhecem que a diversidade cultural é um patrimônio comum da humanidade, tão necessária para o gênero humano quanto a biodiversidade para os seres vivos.

A cultura é a área da indústria que mais cresce e emprega no mundo, e as estimativas são que os negócios a ela relacionados representem neste ano cerca de US$ 1,3 trilhão (cerca de R$ 4,2 trilhões). Nestes números pode estar a chave para se entender a importância crescente, na cena internacional, do debate sobre a cultura, e em especial sobre a preservação da diversidade cultural, tema da Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais, a ser adotada pela Unesco, a agência da ONU para a educação, a ciência e a cultura.

Para entender por que os produtores e defensores da cultura no mundo reuniram-se na Unesco para a aprovação de uma Convenção que proteja a diversidade das expressões culturais, é preciso lembrar das tendências de uniformização cultural da globalização e dos termos do Acordo Geral para o Comércio dos Serviços (GATS), que vem sendo negociado há anos na OMC. Este acordo prevê a liberalização progressiva do comércio de todos os serviços, em todos os setores e níveis de governo (ou seja, Nação, Estados e municípios), com exceção apenas dos serviços prestados pelos governos, desde que não tenham base comercial e que não entrem em concorrência com a iniciativa privada.

Gisele Dupin reitera que os serviços públicos de educação, saúde e cultura coexistem em quase todos os países do mundo com serviços privados, podendo ser considerados como em concorrência com estes últimos. Logo, seriam todos susceptíveis de entrar no campo de liberalização previsto pelo GATS, sujeitos, portanto, à queixa das empresas que se sentirem lesadas (http://www.culturaemercado.com.br/imprimir.php?pid=80, acesso em 05 nov. 2007).
As recentes transformações geradas pelas amplas possibilidades de comunicação em tempo real teriam acarretado, na opinião de alguns, o fim da crítica à Indústria Cultural. A tão propalada democratização da informação, ampliada pela possibilidade de acessar gratuitamente à Internet, passa a impressão de que por aí seriam resolvidos problemas advindos da marginalização e exclusão cultural e social (CADERNOS CEDES, 2001).

Tal impressão, porém, gerada pelo boom das novas tecnologias da comunicação, não resiste a uma indagação mais apurada. Sabe-se, por exemplo, que o uso da Internet restringe-se a menos de 5% da população brasileira. Porém, mesmo que essa porcentagem aumente, isto diria respeito somente a uma certa democratização quantitativa já observada na utilização de outros meios de comunicação. Conforme Leda Pedroso (CADERNOS CEDES,2001), o Brasil está entre os países com maior quantidade per capita de aparelhos de televisão. O número de telefones vem crescendo aceleradamente. O sistema bancário se informatiza facilitando as transações financeiras.

Quanto mais a globalização avança, mais se recoloca a questão da tradição, da nação e da região. À medida que o mundo fica menor, torna-se cada vez mais difícil se identificar com categorias tão genéricas como Europa, mundo, etc. É natural, portanto, que a questão das diferenças se recoloque e que haja um intenso processo de construção de identidades e que os atores sociais procurem objetos de identificação mais próximos. Somos todos cidadãos do mundo na medida em que pertencemos à espécie humana, mas necessitamos de marcos de referência que estejam mais próximos de nós (http://www.bocc.ubi.pt/pag/jacks-nilda-midia-nativa.pdf, acesso em: 05 nov. 2007).

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