terça-feira, 9 de agosto de 2011

Perspectivas curriculares para o desenvolvimento da leitura e da compreensão


De acordo com as investigações sobre a compreensão de textos escritos, esse processo resulta de um trabalho ativo do leitor, em oposição à idéia – muito difundida – de que, quase como uma mágica, o texto, por si mesmo, se gravaria na mente dos leitores.

Na realização desse trabalho ativo, ao que tudo indica, o leitor lança de mão de três principais conjuntos de saberes:

i.o conhecimento prévio e a habilidade de construí-lo, nas situações em que não se compreendem textos ou passagens de textos;

ii.as habilidades de fluência em leitura, por meio das quais o leitor processa com rapidez e adequação a informação gráfica ou visual;

iii.as estratégias e habilidades de compreensão leitora, por meio das quais o leitor busca alcançar os propósitos que o orientaram em direção ao texto (como, por exemplo, estudar, informar-se, buscar um dado específico, divertir-se, agir).

É, portanto, em torno da transmissão desses três conjuntos de saberes em que se pode apostar para a organização do ensino da leitura e da compreensão de textos.



O conhecimento prévio e as habilidades de construí-lo

No processo de produção de um texto, seu autor se orienta sempre por uma hipótese de leitor ou Leitor-Modelo (ECO, 1996). Trata-se de um conjunto de pressuposições sobre os conhecimentos, valores e propósitos dos leitores “em carne em osso” que irão se apropriar do texto. Com base nessas pressuposições, o produtor de um texto desenvolve suas escolhas lingüísticas, da seleção do vocabulário a decisões sobre a implicitação ou explicitação de informações.

Assim, para compreender um texto, o leitor deve possuir grande parte daquele conjunto de conhecimentos que um texto supõe que seus leitores possuam ou deve – como frequentemente ocorre – dominar as habilidades de construir esses conhecimentos, nas situações em que, por não possuí-los, não consegue compreender o texto ou entender trechos ou passagens dele.

Para um leitor em formação, trata-se não apenas de um aprendizado de conteúdos, mas de um processo de familiarização com todo um universo cultural em grande parte novo, que se organiza em torno de valores em parte específicos, bem como de modos em larga medida particulares de produzir significados, construídos com base em referências culturais às vezes mais, às vezes menos compartilhadas pelos alunos. Trata-se, assim, de um processo de imersão do aluno nesse universo cultural.

Apenas para fins de organização didático-pedagógica do ensino da leitura, vale à pena, em minha opinião, distinguir duas principais direções desse esforço de possibilitar a imersão do aluno nesse universo cultural em grande medida novo.

Primeiramente, esse universo cultural se organiza em torno da cultura escrita ou do letramento. Para poder compreender textos escritos, é fundamental conhecer outros textos, saber para que servem, poder antecipar os diferentes objetivos que buscam atingir, dominar os modos particulares de usar a língua que nesse universo se utiliza. Por essa razão e como defendi antes, uma primeira direção imprescindível para avançar no domínio da compreensão é experimentar esse mundo organizado em torno da cultura escrita, dele participando por meio de práticas de letramento (KLEIMAN, 2007; CHARTIER, CLESSE e HÉBRARD, 1996).

Como também defendi antes, essa direção deve ser buscada desde a educação infantil, deve ser enfatizada na alfabetização inicial e ao longo da escolarização. Esse ponto de vista se baseia no fato de que a familiaridade com as práticas de letramento é tanto uma condição para o domínio da língua escrita quanto para o desenvolvimento das aprendizagens escolares (o que é demonstrado por diferentes pesquisas– cf. por exemplo, HEATH, 1983; 1986; LAHIRE, 1993a, 1993b, 1997; BATISTA e RIBEIRO, 2004). Ela é também uma das mais importantes finalidades da escolarização: garantir a todos o direito uma plena inserção no mundo da cultura escrita.

Como essa direção se organiza, em grande parte, em torno de um processo de familiarização e de imersão, é a realização de práticas de leitura e escrita amplamente diversificadas que pode assegurar essa progressiva inserção no mundo das letras. Para seu planejamento desde a educação infantil, é importante que o professor leve em conta que cabe a ele atuar como mediador entre as crianças e o mundo da escrita e que, quanto menor é o grau de autonomia de seus alunos na leitura e na escrita, maior será seu papel como um modelo de leitor, capaz de dar um suporte ao aprendizado dos alunos, lendo e explicando textos em voz alta, apresentando como se planeja e se produz um texto, explicitando o modo de funcionamento dos textos que se leem, seus objetivos, suas condições de produção, seu modo de circulação, seus suportes, de modo a modelar o comportamento leitor de seus alunos.

Um bom modo de planejar essas práticas de letramento, tendo em vista a leitura, é levar em conta alguns dos elementos constituintes dessas práticas: os espaços de circulação de textos (por meio da visita a bibliotecas, livrarias, bancas de jornais, por exemplo); os suportes de textos (leitura e apresentação de diferentes suportes, como jornais, a tela do computador, o livro, folhetos, etc.); os gêneros (leitura e apresentação de textos de gêneros diversificados, como contos e novelas da literatura infanto-juvenil, poesias, notícias, reportagens, por exemplo); os propósitos que organizam a leitura (ler para se divertir, para agir, para buscar informações, para buscar dados, para o estudo e o conhecimento).

Na realização dessas práticas, também é imprescindível estar atento para a necessidade de discutir, com os alunos, valores e significados envolvidos nelas, como na longa negociação a respeito da função e do significado da língua escrita que – como descreve e analisa Sara Mourão Monteiro (2009) – uma professora estabelece com seus alunos para escrever uma autorização (a ser encaminhada aos pais) para uma visita a uma padaria: um dos alunos questiona a necessidade de escrita dessa autorização, afirmando valores que se baseiam, em grande parte, em culturas que se organizam fortemente na oralidade (e não na escrita ou no letramento).

Nenhum comentário: